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Entender o futuro começa discutindo o que acontece agora!
É dessa forma que podemos entender como nossa história é construída, como os fatos se interligam e como o pensamento coletivo é representado.


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domingo, 13 de fevereiro de 2011

Novo Ethos - Leonardo Boff

Saber Cuidar
Leonardo Boff
Em momentos críticos como os que vivemos, revisitamos a sabedoria ancestral dos povos e nos colocamos na escola de uns e outros. Todos nos fazemos aprendizes e aprendentes. Importa construir um novo ethos que permita uma nova convivência entre os humanos com os demais seres da comunidade biótica, planetária e cósmica; que propicie um novo encantamento face à majestade do universo e à complexidade das relações que sustenta todos e cada um dos seres.
Ethos em seu sentido originário grego significa a toca do animal ou casa humana, vale dizer, aquela porção do mundo que reservamos para organizar, cuidar e fazer o nosso habitat. Temos que reconstruir a casa humana comum – a Terra – para que nelas todos possam caber. Urge modelá-la de tal forma que tenha sustentabilidade para alimentar um novo sonho civilizacional. A casa humana hoje não é mais o estado-nação, mas a Terra como pátria/mátria comum da humanidade. Esta se encontrava no exílio, dividida em estados-nações, insulada em culturas regionais, limitada pelas infindáveis línguas e linguagens. Agora, lentamente, está regressando de seu longo exílio. Está se reencontrando no mesmo lugar: no planeta terra unificado. Nele fará uma única história, a história da espécie homo, numa única e colorida sociedade mundial, na consciência de um mesmo destino e de uma igual origem.
Esse ethos (modelação da casa humana) ganhará corpo em morais concretas (valores, atitudes e comportamentos práticos) consoante as várias tradições culturais e espirituais. Embora diversas, todas as propostas morais alimentarão o mesmo propósito: salvaguardar o planeta e assegurar as condições de desenvolvimento e de co-evolução do ser humano rumo a formas cada vez mais coletivas, mais interiorizadas e espiritualizadas de realização da espécie humana.
De onde vamos derivar esse novo ethos civilizacional? Ele deve emergir da natureza mais profunda do humano. De dimensões que sejam por um lado fundamentais e por outro compreensíveis para todos. Se não nascer do cerne essencial do ser humano, não terá seiva suficiente para dar sustentabilidade a uma nova florada humana com frutos sadios para a posteridade.
Devemos todos beber da própria fonte. Auscultar nossa natureza essencial. Consultar nosso coração verdadeiro. Essa dimensão fontal deverá suplantar a desesperança imobilizadora e a resignação amarga. Deverá, outrossim, complementar os caminhos insuficientes referidos acima. Quer dizer, essa dimensão fontal será a base para um novo sentimento religioso. Criará um novo sentido ético e moral. Propiciará uma nova razão, instrumental, emocional e espiritual, que transformará a ciência, a tecnologia e a crítica em medicinas para a terra e para a humanidade. Uma nova ética nascerá de uma nova ótica.
Qual será essa ética? Qual será essa dimensão seminal do humano, capaz de sustentar uma nova aventura histórica? De que ethos precisamos? Daquele que se opõe à falta de cuidado, ao descuido, ao descaso e ao abandonos?
Importa buscar respostas, inspiradas em outras fontes e em outras visões de futuro para o planeta e para a humanidade.
Estas respostas não se encontram prontas em algum recanto privilegiado da Terra. Nem em algum livro ancestral. Nem em mestres e gurus com novas ou antigas técnicas de espiritualização. Nem em alguma profecia escondida. Nem em iniciações rituais e mágicas. Nem simplesmente em caminhos terapêuticos à base de produtos naturais. Devemos aprender de todas estas propostas, mas cavar mais fundo, ir mais longe e evitar soluções calcadas sobre uma única razão. Importa inserir outras dimensões para enriquecer nossa visão.
Neste sentido as respostas vêm sendo formuladas concretamente pelo conjunto das pessoas que ensaiam práticas significativas em todos os lugares e em todas as situações do mundo atual. Portanto, não há um sujeito histórico único. Muitos são os sujeitos destas mudanças. Elas se orientam por um novo sentido de viver e de atuar. Por uma nova percepção da realidade e por uma nova experiência do Ser. Elas emergem de um caminho coletivo que se faz caminhando.
Com efeito, cresce seminalmente um novo paradgma de re-ligação, de re-encantamento pela natureza e de compaixão pelos que sofrem; inaugura-se uma nova ternura para com a vida e um sentimento autêntico de pertença amorosa à Mãe-Terra. Essa viragem se mostra pelo crescimento dos grupos que cultivam a ecologia, a meditação e a espiritualidade; cresce o número dos que acompanham com atenção o impacto ambiental dos projetos realizados pelas empresas privadas ou pelo estado; muitos são os que em todas as questões abordadas, incorporam a perspectiva da Terra como um todo vivo e orgânico. Mais e mais pesoas procuram alimentar-se com produtos naturais e mantêm sob severo controle o nível de contaminação e quimicalização dos produtos. Aumenta a consciência da corresponsabilidade pelo único planeta que temos, por sua imensa biodiversidade e por cada ser ameaçado de extinção. Aumenta o senso de solidariedade para com populações dizimadas pela fome ou por alguma catástrofe natural.. Mobilizam-se grupos e a opinião pública em defesa dos direitos dos animais e dos direitos humanos sociais e culturais; há um notável esforço de superação do patriarcalismo e pelo fortalecimento da dimensão da anima no homem e na mulher pelo apoio às mulheres, às minorias socialmente discriminadas que podem representar milhões e milhões de pessoas como os negros, os povos originários, os portadores de alguma deficiência ou doença, etc. A espiritualidade cósmica volta a animar espíritos sesíveis à mensagem que emana do universo e da natureza. Tradições religiosas e espirituais se revitalizam em contato com os desafios do nosso tempo.
Sente-se a urgência de um novo ethos civilizacional que nos permitirá dar um salto de qualidade na direção de formas mais cooperativas de convivência, de uma renovada veneração pelo Mistério que perpassa e que sustenta o processo evolutivo.
Por toda parte se formulam ânsias por uma nova aliança de paz perene com as demais espécies e com a Terra. Esse novo contrato social se assenta na participação respeitosa do maior número possível, na valorização das diferenças, na acolhida das complementaridades e na convergência construída a partir da diversidade de culturas, de modos de produção, de tradições e de sentidos de vida.

Fonte: BOFF, Leonardo. Saber Cuidar – Ética do Humano/compaixão pela Terra. Petrópolis: Vozes, 1999.

Um comentário:

  1. Ainda que se discutam teorias de preservação, de cuidar do que se está em extinção, ainda que ONG´s e programas de governo se organizem em prol de um incessante desejo de cuidar do planeta, o homem precisa entender que todas essas açoes são para sua propria presevação e que somos nós que beiramos a extinção.
    A mudança de postura, recobrar a razão, ver no outro suas proprias necessidades...essas são as ações que nos trariam uma nova ordem das coisas!
    Sustentabilidade já...aos valores, ao amor o proximo, ao amor a si, ao respeito!

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