Eu tenho um sonho
I have a dream...
I have a dream...
Discurso de Martir Luther King Jr
na Marcha para Washington, 1963.
na Marcha para Washington, 1963.
Fonte: http://www.dhnet.org.br/desejos/sonhos/ihavedreamr.htm.
Acesso: 29/01/12.
“EU TENHO UM SONHO”
Há cem anos passados, um grande americano, sob cuja simbólica sombra nos
encontramos, assinava a Proclamação da Emancipação. Esse momentoso decreto foi
como um raio de luz de esperança para milhões de escravos negros que tinham
sido marcados a ferro nas chamas de vergonhosa injustiça. Veio como uma aurora
feliz para terminar a longa noite do cativeiro.
Mas, cem anos mais tarde, devemos enfrentar a realidade trágica de que o
Negro ainda não é livre. Cem anos mais tarde, a vida do Negro é ainda
lamentavelmente dilacerada pelas algemas da segregação e pelas correntes da
discriminação. Cem anos mais tarde, o Negro continua vivendo numa ilha isolada
de pobreza, em meio a um vasto oceano de prosperidade material. Cem anos mais
tarde, o Negro ainda definha a margem à margem da sociedade americana,
encontrando-se no exílio em sua própria pátria. Assim, encontramo-nos aqui hoje
para dramatizarmos tal consternadora condição.
Em um sentido viemos à capital de nossa nação para descontar um cheque.
Quando os arquitetos de nossa república escreveram as palavras majestosas da
Constituição e da Declaração de independência, estavam assinando uma nota
promissória da qual cada cidadão americano seria herdeiro. Essa nota foi uma
promessa de que todos os homens teriam garantidos seus inalienáveis direitos à
vida, à liberdade e à busca da felicidade.
É óbvio que ainda hoje a América não pagou tal nota promissória no que
diz respeito aos seus cidadãos de cor. Em vez de honrar tal compromisso sagrado,
a América deu ao Negro um cheque sem fundos; um cheque que foi devolvido com a
seguinte inscrição: “fundos insuficientes”. Nós nos recusamos aceitar a idéia,
porém, de que o banco da justiça está falido. Recusamos acreditar não existirem
fundos suficientes nos grandes cofres das oportunidades desta nação. Por isso
aqui viemos para cobrar tal cheque – um cheque que nos será pago com as
riquezas da liberdade e a segurança da justiça. Também viemos a este lugar
sagrado para lembrar à América da veemente urgência do agora. Este não é
o tempo para se dedicar à luxuria da postergação, nem para se tomar a pílula
tranqüilizante do gradualismo. Agora é o tempo para que se tornem reais
as promessas da Democracia. Agora é o tempo para que nos levantemos do
vale escuro e desolado da segregação para o iluminado caminho da justiça
racial. Agora é o tempo de abrir as portas da oportunidade para todos os
filhos de Deus. Agora é o tempo para levantar nossa nação da areia
movediça da injustiça racial para a rocha sólida da fraternidade.
Seria fatal para a nação não levar a sério a urgência do momento e
subestimar a determinação do Negro. Este sufocante verão do descontentamento
legítimo do Negro não passará até que ocorra o revigorante outono da liberdade
e igualdade. 1963 não é um fim, mas um começo. Aqueles que crêem que o Negro
precisava apenas se desabafar, e que agora ficará contente como está, terão um
rude despertar se a Nação retornar à sua vida normal como sempre. Não haverá
tranqüilidade nem descanso na América até que o Negro tenha garantido todos os
seus direitos de cidadania. Os turbilhões da revolta continuarão a sacudir as
fundações de nossa Nação até que desponte o luminoso dia da justiça.
Existe algo, porém, que devo dizer ao meu povo que se encontra no
caloroso limiar que conduz ao palácio da justiça. No processo de ganharmos
nosso lugar de direito não devemos ser culpáveis de atos irregulares. Não
busquemos satisfazer a sede pela liberdade tomando da taça da amargura e do
ódio. Devemos conduzir sempre nossa luta no plano elevado da dignidade e
disciplina. Não devemos deixar que nosso criativo protesto degenere em
violência física. Sempre e cada vez mais, devemos nos erguer às alturas
majestosas de enfrentar a força física com a força da alma. Esta
maravilhosamente nova militância que engolfou a comunidade negra não deve nos
levar a uma desconfiança de todas as pessoas brancas, pois muitos de nossos
irmãos brancos, como evidenciado por sua presença aqui, hoje, estão conscientes
de que seus destinos estão ligados ao nosso destino, e que sua liberdade está
intrinsecamente unida à nossa liberdade. Não podemos caminhar sozinhos.
Á medida que caminhamos, devemos assumir o compromisso de marcharmos
avante. Não podemos retroceder. Existem aqueles que estão perguntando aos
devotados aos direitos civis: “Quando vocês ficarão satisfeitos?” Não podemos
ficar satisfeitos enquanto o Negro for vítima dos horrores incontáveis da
brutalidade policial. Não podemos ficar satisfeitos enquanto nossos corpos,
pesados pela fadiga da viagem, não puder encontrar um lugar de descanso nos
motéis das estradas e nos hotéis das cidades. Não podemos ficar satisfeitos
enquanto a nobreza básica do Negro passa de um gueto pequeno para um maior. Não
podemos jamais ficar satisfeitos enquanto um Negro no Mississipi não pode votar
e um Negro em Nova York crê não existir nada pelo qual votar. Não, não, não
estamos satisfeitos, e não ficaremos satisfeitos até que a justiça corra como
água e a retidão também, como uma poderosa correnteza.
Não desconheço que alguns de vocês vieram aqui após muitas dificuldades
e tribulações. Alguns de vocês recém saíram de diminutas celas de prisão.
Alguns de vocês vieram de áreas onde sua busca pela liberdade deixou em vocês
marcas das tempestades de perseguição e fê-los tremerem pelos ventos da
brutalidade policial. Vocês são veteranos do sofrimento criativo. Continuem a
trabalhar com a fé de que um sofrimento imerecido é redentor.
Voltem ao Mississipi, voltem ao Alabama, voltem à Carolina do Sul,
voltem à Geórgia, voltem à Louisiana, voltem às favelas e aos guetos de nossas
modernas cidades, sabendo que, de alguma forma, esta situação pode e será
alterada. Não nos enojemos no vale do desespero.
Digo-lhes, hoje, meus amigos, que apesar das dificuldades e
frustrações do momento, ainda tenho um
sonho. É um sonho profundamente enraizado no sonho americano.
Tenho um sonho que algum dia esta nação levantar-se-á e viverá o
verdadeiro significado de sua crença. “Afirmamos que estas verdades são
evidentes; todos os homens foram criados iguais”.
Tenho um sonho que algum dia nas montanhas rubras da Geórgia os filhos
de antigos escravos e os filhos de antigos donos de escravos poderão sentar-se
à mesa da fraternidade.
Tenho um sonho que algum dia o estado do Mississipi, um estado deserto,
sufocado pelo calor da injustiça e opressão, será transformado num oásis de
liberdade e justiça.
Tenho um sonho que meus quatro pequenos filhos viverão um dia em uma
nação onde não serão julgados pela cor de sua pele, mas pelo conteúdo de seu
caráter.
Tenho um sonho, hoje.
Tenho um sonho que algum dia o estado de Alabama, cujos lábios do
governador atualmente pronunciam palavras de interposição e nulificação, seja
transformado para uma condição onde pequenos meninos negros, e meninas negras,
possam dar-se as mãos com outros pequenos meninos brancos, e meninas brancas,
caminhando juntos, lado a lado, como irmãos e irmãs.
Tenho um sonho, hoje.
Tenho um sonho que algum dia todo vale será exaltado, toda montanha e
encosta serão niveladas, os lugares ásperos tornar-se-ão lisos, e os lugares
tortuosos serão direcionados, e a glória do Senhor será revelada,
e todos os seres a verão, juntamente.
Esta é nossa esperança. Esta é a fé com a qual regresso ao sul. Com esta
fé seremos capazes de tirar da montanha do desespero uma pedra de esperança.
Com esta fé poderemos transformar as dissonantes discórdias de nossa nação em
uma linda sinfonia harmoniosa de fraternidade. Com esta fé poderemos trabalhar
juntos, orar, juntos, lutar juntos, ir à prisão juntos, ficarmos juntos em
posição de sentido pela liberdade, sabendo
que algum dia seremos livres.
Esse será o dia quando todos os filhos de Deus poderão cantar com um novo
significado: “Meu país é teu, doce terra de liberdade, de ti eu canto. Terra
onde morreram meus pais, terra do orgulho dos peregrinos, de cada rincão e
montanha que ressoe a liberdade”.
E se a América for destinada a
ser uma grande nação isto deve se tornar
realidade. Que a liberdade ressoe destes prodigiosos planaltos de New
Hampshire. Que a liberdade ressoe destas poderosas montanhas de New York. Que a
liberdade ressoe dos elevados Alleghenies da Pensilvânia!
Que a liberdade ressoe dos nevados cumes
das montanhas Rockies do Colorado!
Que a liberdade ressoe dos picos curvos da Califórnia!
Não somente isso; que a liberdade ressoe da Montanha de Pedra da
Geórgia!
Que a liberdade ressoe da Montanha Lookout do Tennessee!
Que a liberdade ressoe de cada Montanha e de cada pequena elevação do Mississipi.
De cada rincão e montanha, que a liberdade ressoe.
Quando permitirmos que a liberdade ressoe, quando a deixarmos ressoar de
cada vila e cada aldeia, de cada estado e
de cada cidade, seremos capazes de apressar o dia quando todos os filhos de Deus, negros e
brancos, judeus e gentís, protestantes e
católicos, com certeza poderão dar-se
as mãos e cantar nas palavras da antiga canção negra:
“Liberdade afinal! Liberdade afinal!
Louvado seja Deus, todo-misericordioso,
estamos livres, finalmente!”
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